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Não tive coragem...

Não tive coragem...

 Mãe, sinto-me tão doente, será que vou morrer?

 

Sentadinha no sofá das lamentações lugar na sala da nossa casa onde todos nós recorremos quando nos sentimos doentes, ainda hoje, a Teresinha, já muito débil, aguardava ansiosas a minha resposta sempre sábia para ela.

 

O pai também presente, receoso do que vinha a seguir, fugiu para o único sítio onde era permitido chorar, a rua.

 

Petrificada respondi prontamente:

 

- Não filha, que ideia absurda! Estás proibida de pensar nisso.

 

A Teresinha permaneceu entre nós mais 15 dias no máximo.

 

Como este episódio, minha filha, muitos outros ocorreram em que a verdade foi-te filtrada e pormenores omitidos.

 

 Na verdade nunca tive coragem de te dizer a ti, com apenas 17 anos de idade, que para além da roupa que levarias vestida, tudo o quanto amavas ficaria deste lado…, que seria melhor guardares os teus objetos pessoais  e  todos os sonhos numa gaveta, pois o teu fim estava a aproximar-se rapidamente e com ele a inevitável separação.

 

Do teu pai que tanto admiravas e respeitavas, os familiares e amigos, que não vou particularizar, pois correria o risco de cometer injustiças, o Chiripu, a Lira, o Bili, o Baltazar, o Belchior e tantos outros animais de que tanto gostavas. A tua escola e o atletismo, pessoal tão fixe, que tanto te mimaram e não se cansaram de te encorajar em momentos difíceis. Os fins-de-semana pachorrentos na nossa casa, com a chuva lá fora a cair e tu no sofá enroscada na manta a ver filmes. Os assadinhos do almoço ao domingo. As férias na casa do Mindelo, as brincadeiras na piscina, os jogos da bola, pelo fim da tarde, no relvado ou mesmo na praia, quando a maré estava vaza. Os teus pertences pessoais como o computador, indispensável para o falatório diário nocturno com as tuas amigas e amigos, o ipod com as tuas musicas preferidas, o teu quarto, o sótão sempre bom para umas touradas… tantas coisas, tantas mesmo de que te terias de despedir.

 

Faltou-me a coragem de te dizer que também ficarias separada de mim.

Deixarias de me poder contar as novidades do dia, à noite quando vinhas aquela meia horita para minha cama.

Deixarias de me poder chamar, de me ouvir, de me abraçar, beijar, troçar de mim como tantas vezes fizeste.

Deixarias de me cravar umas sapatinhas, que te faziam sempre tanto jeito.

Deixarias de me poder dar um presentinho pelo meu aniversário….

Faltou-me a coragem para te dizer que partirias sem levar nada do que era teu, materialmente falando, mas cheia de amor e carinho, tanto que não conseguirias carrega-lo todo.

Na despedida irias deixar cair um bocadinho aqui, outro além, que eu iria apanhar e guardar religiosamente no meu coração, para utilizar sempre que me recordo de ti.

 

Não tive coragem de te dizer que ias morrer filha.

 

Não tive coragem de te ver sofrer mais.

 

A tua mãe

28 de Abril de 2012, dia do meu aniversário, mais um dia cinzento escuro…