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Dedicatória para todos os pais em luto

Dedicatória para todos os pais em luto

 

“Com o passar do tempo…”

Para o Zé e Eduarda (e todos os pais em luto… obrigados a sobreviver, a cada ano que passa, ao aniversário do filho(a) que já morreu…)

 

Os pais em luto conhecem, como ninguém, o sabor amargo dos aniversários que já não se cumprem…

Os pais em luto conhecem, como ninguém, a sensação de continuar a somar anos virtuais a um tempo que já parou…

Nestes dias, a dor da amputação agiganta-se ainda mais…

Nestes dias, os filhos que perdemos ocupam ainda mais espaço na nossa memória, lá onde moram recordações de outros aniversários repletos de sonhos…

Nestes dias, a dor e a revolta por uma vida roubada tão precocemente ferem ainda mais as entranhas…

Nestes dias, é ainda mais insuportável aceitar a condição de ter sobrevivido a um filho…

Nestes dias, nem a máscara que usamos todos os dias consegue disfarçar o cancro que nos corrói a alma…

Nestes dias, a ferida teima em sangrar sem parar… 

Desenganem-se aqueles que nos tentam convencer que o tempo cura tudo: a perda de um filho não entra nessa categoria, nem em nenhuma, é dor aparte, marginal, que escapa a qualquer tentativa de categorização… 

Com o passar do tempo, o que diminui não é a dor de ter perdido um filho, mas a permissão de a dizer …

Com o passar do tempo, o que diminui não é a dor da ausência mas a tolerância daqueles a quem dói o simples esforço de imaginar como é possível sobreviver a um sofrimento tão profundo…

Com o passar do tempo, a dor do que nos falta vive-se progressivamente menos para fora, e cada vez mais para dentro, numa inflexão que a torna cada vez mais nossa, mais entranhada e estruturante, uma espécie de segunda pele que só não vê quem não quer…

Com o passar do tempo, os pais em luto tornam-se cada vez mais hábeis na arte do fingimento e na arte de esconder a alma, cada vez mais peritos em mascarar uma dor que (quase) ninguém consegue suportar…  

Com o passar do tempo, os pais em luto aprendem a ludibriar todos aqueles a quem custa aceitar as outras pessoas em que nos tornamos…

 Só assim se consegue sobreviver, com uma dor tão funda e tão intransmissível que nunca chega aos outros, categoria em que cabem todos os que não foram amputados de filhos…

À nossa frente erguemos uma fonteira, uma espécie de biombo que vai escondendo, ou disfarçando, o tamanho do fosso que se cavou entre o mundo tal como o conhecíamos e este em que fomos obrigados a renascer… 

Mas, claro, esses truques aprendem-se à custa de muitos gritos que se vão reprimindo…

 

Ana Granja

13 de Outubro 2012