





O ser humano possui uma grande capacidade de resistir ao sofrimento psíquico. Se pensam que não aguentariam uma dramática notícia estão redondamente equivocados.
Confesso que não sei explicar onde fui buscar coragem para assistir às últimas homenagens e despedida da minha filha. Vestir um filho para o seu baptizado, comunhão, casamento é o que está previsto acontecer e dá-nos uma alegria imensa, mas vesti-lo para o seu enterro…! É demasiado violento para ser suportado por uma mãe ou um pai, certo é que estive presente, vocês sabem bem e não sou única que vive este filme de terror.
Com a passagem dos anos vou aprendendo a viver sem a minha Teresinha. Continuo a não aceitar a sua precoce partida…., ausência que vou tentando compensar inventando conversas, recordando acontecimentos alegres e outros tristes, indo ao cemitério, local onde estão depositados os seus restos mortais, levar flores, que coloco sobre a campa para que fique bonita, ritual que desempenho com toda a sabedoria, carinho e muito amor.
Contudo tais atitudes parecem-me insuficientes! Não passam de tarefas básicas para mim, mãe privilegiada, mãe de um ser com uma personalidade invulgar e pleno de qualidades. Sinto-me que me amputaram a alegria de viver, mas reconheço que a maior vítima foi, sem dúvida, a minha filha. Assisti à sua desesperada luta, a todo o seu sofrimento perante um tratamento com tantas sequelas e sem sucesso, por fim, à sua desilusão. Vi e senti a forma corajosa como se agarrou à vida, que não queria perder, motivos que sobram para pensar que, talvez possa estar nas minhas mãos fazer algo mais:
“A morte da minha filha não pôde ter acontecido em vão”
É com este espírito que encaro cada novo dia. Procuro ser melhor hoje do que fui ontem.
A minha filha, aquela miúda que todos nós recordamos, passou a ser, para mim, um estímulo para enfrentar as adversidades da vida, passou a ser a minha referência de conduta como ser humano. Mesmo assim, não tem sido fácil caminhar em terreno tão adverso, preciso do apoio do meu marido, dos meus 3 filhos, da amizade de familiares e amigos aqui presentes e alguns ausentes. Não posso deixar de agradecer o auxílio moral, educativo e até económico do Colégio Luso - Francês, do qual espero poder continuar a contar com a amizade, ajuda e compreensão de todos aqueles que nele trabalham e o tornam nesta Instituição tão cheia de significado para mim.
O percurso de vida da Teresinha deixou-me ensinamentos que o tempo é incapaz apagar.
Durante estes 7 anos procurei mantê-los vivos, próximos de mim, só possível à custa de viagens que faço em busca de memórias emocionais, visuais, auditivas e olfactivas, estas últimas já quase imperceptíveis.
Cada viagem é um regresso ao passado, a saudade comanda as emoções, a cruel e dura realidade “morrer com 17 anos de idade” é encarada e assumida, não se mascara, ou se esconde para não doer, nem se adia, nem se enfeita para parecer bonita ou falsa.
São viagens penosas, fazem doer as entranhas, mas uma mãe ou pai alimenta-se deste sofrimento, o filho que perdemos merece, é difícil explicar, pode até parecer masoquismo…, atitudes emocionais descodificadas apenas por quem passa por esta penosa vivencia, os demais cidadãos evitam, protegem-se a si e aos seus.
Olhando para trás, até compreendo tais atitudes, contudo é bom que tenham presente que, um dia, poderão ser o receptor das tais dramáticas notícias.
Há meses, numa dessas viagens, liguei o ipod, aparelho de musica da Teresinha.
O registo dessa experiência está no seu memorial, para quem quiser ler.
Há dias, uma outra viagem, liguei o seu telemóvel.
Segurei-o entre as palmas das mãos e observei aquele tesouro demoradamente, pensei na quantidade de impressões digitais ali deixadas por ela. Não tinha dúvidas que continha informação valiosa. Acariciei-o e afaguei-o junto ao meu rosto, como se o aparelho tivesse sentimentos… e se tinha, tantas imagens e palavras guardadas, carregadas de emoções.
Tinha plena consciência da leviandade que estava tentada a cometer, caso a Teresinha estivesse viva respeitaria a sua privacidade, mas a vontade de saber o que guardava foi mais forte e convenceu-me:
- Peço desculpa Teté, mas não resisti.
Com a mão a tremer cliquei “as minhas imagens”.
À medida que vou passando as fotos aparece uma lista infindável de seres irracionais, das mais variáveis espécies: cães, gatos, coelhos, pássaros e ratos hamsters. Achei piada à colocação de nomes nas fotos. A sua especial relação com os animais é do conhecimento de todos, que com ela privaram, pois no seu telemóvel encontra-se demonstrada de forma inequívoca.
A certa altura já receava que não tivesse nenhuma foto minha, mas não, lá vem uma, que diz “Birgolyne” (o meu nome quando queria brincar).
Apareço ao fundo, na praia do Mindelo, com o vento a levar-me o cabelo.
O pai tem também uma com o padrinho Toni, que por sinal estão ambos muito bem.
Imprimi apenas algumas, para vocês verem. Não fiquem tristes por não se encontrarem nos seus registos, pois os mais significativos são os animais, onde os cães se destacam, o Futebol Clube do Porto e o concerto do U2, no ano de 2005 em Alvalade, que foi assistir já doente.
A seguir cliquei “as minhas mensagens”.
Campo minado, perigoso…, ler algo que ainda não soubesse! Estava previsto.
Tive que respirar fundo, para ganhar coragem.
Comecei a abrir uma e depois outra, as lágrimas já escorriam pela face… e turvavam o olhar, com suspiros pelo meio e algumas paragens, continuei viagem até ao fim.
Li tantas mensagens de carinho e encorajamento, nas recebidas, contrastando com as de desalento e tristeza nas enviadas por ela….
Como compreendem não imprimi nenhuma mensagem. O telemóvel encontra-se guardado com os contactos, fotos, mensagens, pequenos filmes, músicas, tal e qual como ela o deixou e assim vai permanecer.
Apenas vos informo que a Teresinha queria ir comprar umas prendinhas, para oferecer pelo Natal.
A morte da Teresinha não pode ter acontecido em vão, sinto que está ao meu alcance fazer algo mais e vocês, já olharam bem para o vosso lado?
Despeço-me até uma próxima viagem.
A tua mãe que não te esquece.
12 de Dezembro 2012